Artigo xxxv, que fala da gemte deste reino e de seu sofrimento.
As gemtes deste reino de Guoa por nenhum tormento não confecarão cousa que façam. Sofrem grandemente e soem ter atormentados de diverços tormentos. Amtes morrem que confeçar o que detriminão calar. E as molheres de Guoa são generosas no vestir, as que damção e volteam o fazem com milhor maneira que todalas destas partes. E custuma se neste reino toda molher de gemtio queimar se por morte de seu marido. Amtre si tem todos isto em preço; os paremtes dela ficam desomrrados quando se não querrem queimar. As que de má mente recebem o sacrefiçio ou se não querem queimar ficam pubricas furnicarias e ganham pera as despesas e fábricas dos templos domde sam fregesas, no quall oficio morrem. Estes gemtios tem hũa so melhor per ordenança, e muitos bramines prometem castidade e sostem na sempre. Nos outros portos de Guoa se carrega muito arroz, sall, betele, arrequa. E todolos rios tem pavoações arredados d’aguoa, com temor, e os que deste sam seguros navegam e os que não perdem se e estam da mão do Sabaio, com capitães que recolhem as remdas da terra. E de/les põem gemte de guarnição de cavalo, porque tem continuamente gerra com as terras de Narsimga.
(via “História e Antologia da Literatura Portuguesa – Século XVI – Literatura de Viagens – II” – Fundação Calouste Gulbenkian, Boletim nº 23, Dezembro de 2002 – a partir de “O Manuscrito de Lisboa da Suma Oriental” de Tomé Pires; Rui Manuel Loureiro, Lisboa, Instituto Português do Oriente, 1996)
10 Fevereiro 2007 at 8:48
muito curiosa a existência das mulheres do templo, que aí ganham a vida fazendo aquilo que os ocidentais apelidavam de prostituição. Os cronistas de D. Manuel emitem juízos de valor neste particular; Tomé Pires, porém, é de uma objectividade que surpreende.
Curiosa também a cerimónia do “sati”, coisa nunca vista pelos nossos…