Cap. 94 – Quais foram os fundadores das primeiras quatro cidades da China, e dá-se conta de algumas grandezas da cidade de Pequim

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Desta maneira que brevemente tenho contado, se fundou esta cidade e se, povoou este este império chim por este príncipe filho de Nancá, chamado Pequim, que era o mais velho de todos. Os outros dois seus irmãos mais moços, que se chamavam Pacão e Nacau, fundaram depois outras duas cidades a que também puseram os seus próprios nomes. E da mãe deles que como disse se chamou Nancá, se lê também que fundou a cidade de Nanquim, que é a segunda desta monarquia, e que dela tomou o nome que ainda hoje em dia tem.

Este império chim se lê que foi sempre correndo por direitas sucessões de uns reis nos outros, desde aquele tempo até uma certa idade que, segundo parece pela nossa conta, foi no ano do Senhor, de mil cento e treze, e então foi esta cidade de Pequim entrada de inimigos, e assolada, e posta por terra vinte e seis vezes. Mas como já neste tempo a gente era muita e os reis muito ricos, dizem que o que então reinava, que tinha por nome Xixipão, a cercou toda em roda da maneira que agora está, em vinte e três anos, e outro rei de nome Jumbileitai, que era seu neto, fez a segunda cerca dali a oitenta e dois anos, as quais ambas têm de circuito sessenta léguas, trinta cada uma, convém a saber: dez de comprido e cinco de largo, das quais cercas ambas se lê que têm mil e sessenta baluartes redondos e duzentas e quarenta torres muito fortes, largas e altas, com seus coruchéus de diversas cores, que lhe dão muito lustro e em todas estão leões dourados sobre bolas ou pomas redondas, os quais são a divisa ou as armas do rei da China, pelos quais quer dar a entender que é ele leão coroado no trono do mundo. Por fora desta derradeira cerca, vai uma muito grande cava de água, de mais de dez braças de fundo e quarenta de largo, dentro da qual há continuamente grande soma de navios de remo toldados por cima como casas, em que se vendem todas as coisas quantas se podem imaginar, tanto de mantimentos como de toda a diversidade de mercadorias a que se pode pôr nome.

Tem mais esta cidade em roda, segundo os chins nos afirmaram, trezentas e sessenta entradas, em cada uma das quais estão sempre quatro upos como há pouco disse, armados e com alabardas nas mãos, para darem razão de tudo o que se passa nela. Há ali também umas certas casas que são como casas de câmara, que a cidade para isso tem destinadas, com seus anchacis e oficiais de justiça, e aonde também se levam os moços que se perdem, para que seus pais os venham ali buscar.

Das mais grandezas desta insigne cidade, direi a seu tempo, porque isto que agora contei assim de corrida, foi somente para dar uma breve relação da origem e fundação deste império e do primeiro que fundou esta cidade de Pequim, metrópole com razão e com verdade, de todas as do mundo, na grandeza, na polícia, na abastança, na riqueza, e em tudo o mais quanto se pode dizer ou cuidar, e também para dar conta da fundação e princípio da segunda cidade deste grande império, que é a de Nanquim, como já disse, e destoutras duas de Pacão e Nacau de que atrás tenho contado, nas quais ambas jazem estes dois seus fundadores, em templos muito nobres e ricos, numas sepulturas de alabastro verde e branco, guarnecidas de ouro, postas sobre leões de prata, com muitas lâmpadas ao redor e perfurmadores de muitas diversidades de cheiros.

(via “História e Antologia da Literatura Portuguesa – Século XVI – Literatura de Viagens – I” – Fundação Calouste Gulbenkian, Boletim nº 22, Junho de 2002 – a partir de “Peregrinação”, versão para português actual e glossário de Maria Alberta Menéres, nota introdutória de Eduardo Prado Coelho, vol. I, Lisboa, Relógio d’Água, 2001)