Abril 2009
Monthly Archive
30 Abril 2009
Explorador no Brasil (século XVII). Capitão do Exército, em 1669, por ordem do governador-geral do Pará, iniciou a construção da Fortaleza de São José da Barra ou Forte da Barra, tendo em vista a defesa da região dos ataques de holandeses e espanhóis. O povoado que se desenvolveu em volta do posto militar, localizado na margem esquerda do rio Negro, foi sucessivamente apelidado de Lugar da Barra, Vila da Barra, Cidade da Barra do Rio Negro e, por fim, em 1856, recebeu o nome de Manaus. Sabe-se ainda que, em 1672, chefiou um grupo de colonos do Maranhão, subindo o rio Tocantins com o intuito de afastar os bandeirantes do território.
(via “História de Portugal – Dicionário de Personalidades” (coordenação de José Hermano Saraiva), edição QuidNovi, 2004)
30 Abril 2009
MATIAS DE ALBUQUERQUE – A Vida de um Fidalgo-Guerreiro na Índia
Para estudarmos a História dos portugueses no Oriente no período dos Descobrimentos necessitamos de compreender um pouco a forma como funcionava a “carreira militar”, digamos assim, dos homens que partiam para a Índia. A vida de Matias de Albuquerque constitui um bom exemplo do nobre guerreiro típico, que passou toda a sua vida no Oriente ao serviço de El-Rei de Portugal. A partida numa armada para a Índia era uma uma boa oportunidade para prestar serviços, conseguir mercês do rei, ou mais simplesmente fazer fortuna. No caso de um elemento da alta nobreza, como o presente caso, era uma forma de conseguir tudo isto. Foi de facto, o que conseguiu Matias de Albuquerque, que conseguiu aliás atingir o topo da hierarquia do Estado, mas que não deixou de ser atingido pelas contingências da sua própria carreira.
Matias de Albuquerque nasceu em Lisboa em 1547, de família da alta nobreza (o famoso Afonso de Albuquerque era seu tio-avô). Cerca de 1559 entra ao serviço do rei D. Sebastião, tendo sido educado como convinha a um fidalgo. Aos 19 anos parte como soldado para a Índia. Recebeu o seu baptismo de fogo numa expedição marítima no Malabar, na costa ocidental indiana, comandada por Álvaro Pais de Souto Maior, tendo aí prestado os seus primeiros serviços. Logo aqui se revelou um excelente soldado, bom organizador e comandante militar. Esta era uma característima essencial na vida militar de então, sobretudo no Oriente, onde o papel do vigor pessoal dos capitães tinha muitas vezes um efeito decisivo no desfecho de uma batalha. Nos anos seguintes Matias de Albuquerque prestou serviços em diversas regiões do Estado da Índia, nomeadamente em Damão, Goa, Chalé e Cochim. Em 1572, com apenas 25 anos de idade, Matias de Albuquerque recebe os primeiros louvores por parte do rei, que lhe reconheceu os serviços, sendo-lhe concedida a capitania da fortaleza de Ormuz, no Golfo Pérsico. Esta era uma das mais ricas e rendosas fortalezas do Oriente, pelo que a sua atribuição a Matias de Albuquerque revela quer a sua origem nobre, quer a qualidade dos serviços prestados. Porém, apenas exercerá este cargo mais tarde.
Em 1574, ao que parece devido a doença, Matias de Albuquerque regressou a Portugal, sendo recebido por D. Sebastião em Almeirim. Aqui prosseguiu a vida militar, tendo prestado serviço em Almada e no Algarve.
Em 1575 o nosso homem regressa á Índia, desta vez com um cargo de maior responsabilidade: capitão de uma armada que parte directamente de Lisboa a socorrer a fortaleza portuguesa de Malaca. Esta era uma das praças mais importantes do Estado da Índia e a chave da presença portuguesa no Extremo Oriente, nomeadamente do rico comércio com a China e o Japão, e encontrava-se seriamente ameaçada pelas forças do sultanato de Achém, tradicional inimigo dos portugueses. A situação era difícil, e o próprio facto de ter sido enviada uma armada directamente de Lisboa é um bom indicador da sua gravidade. Porém, Matias de Albuquerque foi bem sucedido na sua empresa, conseguindo afastar a ameaça que pairava sobre Malaca e garantir novamente a segurança na região para a navegação portuguesa. O êxito desta missão abriu-lhe novas portas: chegado a Goa, que era o centro da administração de todo o Estado da Índia (que ía de Moçambique ao Japão) foi nomeado comandante da armada de patrulhamento da costa do Malabar (1580-1584), após o que, por fim, entrou na capitania de Ormuz, para a qual tinha sido anteriormente nomeado. Aqui procedeu aos trabalhos de reparação da fortaleza, que se encontrava em mau estado, tendo inclusivamente mandado construir grandes cisternas. Foi este período uma época de pausa na sua vida de guerreiro, continuada com a decisão de voltar novamente a Portugal, o que faz em 1588.
Após voltar novamente a Portugal, onde casou e defendeu Lisboa dos ataques do famoso corsário inglês Francis Drake (em 1589), Matias de Albuquerque foi, finalmente, designado para o mais alto cargo na Índia: o de vice-rei. Partiu então de Lisboa em 1590 para ocupar o cargo, que exerceu entre 1591 e 1597, seis anos portanto, o dobro do tempo habitual que era geralmente exercido por um vice-rei. Aqui, Matias de Albuquerque aplicou todas as suas capacidades de organização e comando para resolver os grandes problemas com que os portugueses se confrontavam, cada vez com maior gravidade. Estes resultavam quer do gravamento geral da situação do Estado da Índia, quer da má gestão e erros cometidos por vice-reis e governadores anteriores. Os principais problemas diziam respeito á má situação financeira, á corrupção generalizada e situação preocupante quer do estado das armadas e das fortalezas, que da própria carência de soldados.
A sua principal e primeira preocupação foi a de mandar fortificar imediatamente as fortalezas, assim como enviar socorros militares ás que corriam maiores riscos. Também reorganizou o aparelho fiscal e da justiça e governou com a prudência e o rigor que se tornavam cada vez mais necessários. É evidente que não foi isento de defeitos e de suscitar inimizades, sobretudo por parte dos jesuítas e da Inquisição. Estas inimizades resultavam sobretudo da sua acção contra a corrupção e o clientelismo, o que desagradava evidentemente a parte da gente que rodeava o vice-rei, quer funcionários quer fidalgos.
Em 1597 regressa a Portugal, mas a sua partida foi marcada por um episódio grave: estando prestes a partir, uma das naus pegou fogo, perdendo assim uma parte considerável dos bens e da sua riqueza, que esperava enviar com destino a Portugal. Regressado ao reino, recolheu-se á sua quinta de Santo Amaro, mas as inimizaes que havia criado provocaram-lhe graves problemas. Acabou por ser preso, mercê da campanha que lhe moveram os seus inimigos, mas conseguiu livrar-se de todas as acusações.
Assim, Matias de Albuquerque constitui um modelo exemplar do nobre guerreiro do século XVI, como homem de armas e notável chefe, autor de importantes decisões e empresas numa época de crise crescente para o Estado da Índia, e é simultaneamente o exemplo acabado da carreira militar bem sucedida, desde soldado até vice-rei.
Paulo Jorge de Sousa Pinto – texto de apoio a programas de rádio sob a designação ”Era uma vez… Portugal”, emitidos entre 1993 e 1996 pela RDP-Internacional, em associação com a Sociedade Histórica da Independência de Portugal
29 Abril 2009
Viajante castelhano (século XVI). Embrenhou-se no sertão brasileiro em busca de minas. Julga-se que foi durante a expedição iniciada em Julho de 1553 que foi atingido pela primeira vez o estado de Minas Gerais. Apesar de virem a ser descobertas em Minas Gerais várias jazidas de ouro e de diamantes, já nos séculos seguintes, esta viagem parece não ter tido resultados concretos a este nível.
(via “História de Portugal – Dicionário de Personalidades” (coordenação de José Hermano Saraiva), edição QuidNovi, 2004)
29 Abril 2009
OS PORTUGUESES EM MARROCOS NO SÉCULO XVI
Como ficou visto anteriormente, o interesse português por Marrocos e pelo Norte de África não foi permanente nem contínuo. É verdade que a conquista de Ceuta constituiu o arranque dos Descobrimentos, e que os portugueses acabaram por tomar uma série de praças marroquinas ao mesmo tempo que avançavam ao longo da costa da Guiné e promoviam a colonização da Madeira, Açores, Cabo verde e São Tomé. No entanto, no final do século XV, Marrocos era uma mera peça num tabuleiro que agora se estendia á Índia o ao Brasil. Vamos hoje falar acerca do que aconteceu nos séculos seguintes, desde o reinado de D. Manuel até ao fim da presença portuguesa em Marrocos.
O reinado de D. Mauel marca o apogeu da presença portuguesa em Marrocos. Foi nesta época que os portugueses mais directamente interferiram na política interna marroquina. Na continuação da política de D. João II, o interesse português centrava-se cada vez mais no Sul de Marrocos, e já não nas praças do Norte, junto ao Estreito de Gibraltar. Era no Sul que se localizava a rica região produtora de cereais e onde se obtinham os produtos para o comércio português na Guiné. Os portugueses abrem uma feitoria em Meça, e mais tarde constroem o castelo de Agadir. Porém, ao contrário de D. João II, foram feitas conquistas: primeiro Safim, depois Azamor e Mazagão, Mogador e Aguz. Outras tentativas falharam, nomeadamente as expedições contra Mamora, Casablanca, Tetuão e Marrakesh.
Um dos aspectos mais interessantes da política de D. Manuel é o estabelecimento de uma zona de influência portuguesa na Meseta marroquina, cujos habitantes se tornam aliados dos portugueses: são os chamados “mouros de pazes”. O plano de D. Manuel era o de cerco ao reino de Fez, o que conseguiu até certa altura mediante as posições conquistadas que referimos há pouco. Porém, o fracasso da expedição contra Mamora, ocorrido em 1515, comprometeu tais planos e impediu o movimento seguinte, que seria certamente o ataque directo a Fez. Nesta expedição morreram cerca de 4000 portugueses, o que foi uma séria derrota para os planos do rei português. Esta data marca, assim, o abrandamento da ofensiva em Marrocos, que nunca mais foi retomada. Já se anunciava o recuo que se seguiria. Com a morte de D. Manuel em 1521, encerra-se este período de forte interferência em Marrocos, e inicia-se a decadência da presença portuguesa nesta região.
Uma das características mais importantes da presença portuguesa em Marrocos, por vezes esquecida, é que o maior ou menor interesse por esta região variava igualmente consoante as condições políticas locais. Em primeiro lugar, Marrocos não era um reino unitário, como hoje em dia. Havia uma capital principal, Fez, mas na realidade diversas regiões, como a cidade de Marrakesh, eram autónomas, sobretudo quando o poder de Fez se encontrava enfraquecido. A população marroquina era heterogénea, sem uma forte identidade nacional; havia frequentes guerras civis e perturbações internas; diversos grupos sucediam-se no poder político, variando assim a oposição à presença portuguesa. A “jihad”, ou guerra santa, uma das bases do Islão, era teoricamente um apelo unânime à luta contra os portugueses, mas a realidade demonstrava que algumas dinastias não sentiam este apelo religioso, o que facilitou a penetração portuguesa até à década de 1520.
Por esta altura, este cenário altera-se profundamente. As interferências portuguesas, sobretudo o ataque directo a Marrakesh em 1514 faz despertar uma forte reacção anti-portuguesa e anti-cristã, que despoleta a “jihad” proclamada por diversos chefes religiosos por todo o Marrocos, que conseguem aglutinar em torno de si largos sectores da população. Deste modo, levanta-se uma onda anti-portuguesa que acaba por destronar os sultões reinantes, acusados de corrupção e fraqueza face à interferência estrangeira, isto é, dos portugueses. Este movimento culminará em 1549 com o estabelecimento da dinastia saádida, aguerrida e intolerante para com os cristãos.
Assim, o reinado de D. João III é marcado pelo agravamento das condições em Marrocos. O próprio rei não estava interessado em prosseguir a política do seu pai, considerando que apenas trazia despesas ao reino sem quaisquer resultados práticos. É preciso não esquecer que as dificuldades económicas cresciam igualmente na Índia, pelo que se sentia a necessidade de racionalizar os recursos e reorganizar o Império. Deste modo, D. João III pensou abandonar diversas praças, mantendo apenas aquelas de maior importância estratégica. Esta medida foi muito contestada, tendo muitos elementos da corte manifestado oposição a tal eventualidade. O rei pediu autorização ao Papa para abandonar Safim e Azamor, o que foi feito em 1541 após a perda de Agadir. Os portugueses viriam ainda a abandonat Arzila e Alcácer-Ceguer, alguns anos mais tarde.
Após o reinado de D. João III, sentia-se por todo o país um clima de insatisfação face ao estado a que chegara o Império Português, com o agravamento da situação financeira da Índia. Surgiam propostas alternativas de expansão, a mais importante das quais era a que previa a transferência do interesse português da Índia para o Atlântico. Aqui se localizavam as mais promissoras possessões portuguesas, África e sobretudo o Brasil, ao contrário da Índia, demasiado longínqua e dispendiosa para os difíceis tempos que se avizinhavam. O abandono de Marrocos suscitara, como vimos, forte oposição interna. Com a subida ao trono do jovem D. Sebastião, dado às aventuras guerreiras e ao espírito cavaleiresco, estava assim preparado o cenário para um regresso a Marrocos. O próprio rei estava pessoalmente empenhado nesta empresa, aguardando apenas uma oportunidade para intervir. Em 1474-75 fez uma primeira incursão em Marrocos, tendo para tal obtido uma bula de cruzada. Tudo se encaminhava, assim, para Alcácer-Quibir.
Por esta altura, a política interna marroquina era marcada pelo avanço dos turcos no Norte de África. Um rei marroquino, Mulei Mafamede, deparou com uma forte oposição do seu sobrinho, Mulei Maluco, apoiado pelos turcos. Estando assim iminente um estado de guerra civil, D. Sebastião aproveitou para intervir ao lado do sultão ameaçado, obtendo assim um bom pretexto para orgabizar uma expedição que retomaria, pensava-se, o domínio português na região. Como é sabido, o rei estava redondamente enganado. Sem ligar às dificuldades de organização do exército, parte ele próprio à frente de uma pequena força que desembarca em Marrocos e acabaria por ser destruída, como é sabido, em Alcácer-Quibir, tendo o próprio D. Sebastião desaparecido no desastre, como conta um cronista:
“Cristovão de Moura, ficando só com El-Rei, foram cercados de grande quantidade de mouros. Um mouro velho, de cima do cavalo em que estava, abrindo caminho por entre os outros mouros, se chegou a El-Rei que já estava em prisão sem nada na cabeça, e lhe derrubou a sobrancelha direita e deu com ele do cavalo abaixo; e os outros mouros se sevaram nele dando-lhe outras na cabeça e pela garganta com que o acabaram de o matar.”
Assim terminou a última empresa marroquina portuguesa. Restavam três praças nas mãos dos portugueses, que uma após outra acabaram por se perder. A primeira foi Ceuta. Quando em 1640 é aclamado D. João IV e se inicia o período da Restauração, foram enviados mensageiros para todas as possessões portuguesas. O capitão de Ceuta recusou-se a jurar fidelidade ao novo rei, mantendo-se fiel ao rei espanhol. Portugal aceitou posteriormente a perda de Ceuta nos tratados de paz que puseram fim à guerra entre os dois países. Em 1658 foi a vez de Tânger, que foi dada aos ingleses como parte do dote de casamento (em conjunto com Bombaim, na Índia) da princesa D. Catarina com o rei de Inglaterra Carlos II. Finalmente, em 1769, e devido ao crescimento das dificuldades de manutenção da última cidade, Mazagão, o Marquês de Pombal ordena o seu abandono, tendo-se procedido à sua evacuação e á sua entrega ao rei de Fez.
Paulo Jorge de Sousa Pinto – texto de apoio a programas de rádio sob a designação ”Era uma vez… Portugal”, emitidos entre 1993 e 1996 pela RDP-Internacional, em associação com a Sociedade Histórica da Independência de Portugal
28 Abril 2009
Mestre de obras (século XVI). Cavaleiro da Casa Real, fixou residência no Brasil de 1549 a 1553. D. João III, a 14 de Janeiro de 1549, nomeou-o mestre das obras da cidade que Tomé de Sousa pretendia fundar na Baía, sob a sugestão do arquitecto Miguel de Arruda. Foi o construtor das primeiras casas e fortificações da localidade que veio a ser capital do Brasil.
(via “História de Portugal – Dicionário de Personalidades” (coordenação de José Hermano Saraiva), edição QuidNovi, 2004)
28 Abril 2009
OS PORTUGUESES EM MARROCOS NO SÉCULO XV
Durante mais de trezentos anos, mais concretamente entre 1415 e 1769, Portugal teve possessões no Norte de África. Isto mostra que Marrocos acompanhou toda a época dos Descobrimentos, desde os seus primórdios até aos meados do século XVIII. O interesse português por esta região teve, de facto, altos e baixos, épocas de grande empenho e alturas de desinteresse, ao mesmo tempo em que se explorava a costa africana e se colonizavam os arquipélagos atlânticos, em que chegava à Índia e se descobria o Brasil, em que Portugal perdia e depois recuperava a sua independência. Vamos falar, hoje e na próxima semana, deste percurso da presença portuguesa em Marrocos e das suas principais etapas.
O primeiro grande marco que assinala o início da expansão portuguesa teve lugar em Marrocos. Trata-se, como é bem sabido, da conquista de Ceuta, que ocorreu em 1415. No entanto, o interesse português, ou europeu na generalidade, pelo Norte de África é bem anterior. É preciso compreender que, na mentalidade europeia do século XV, se considerava Marrocos como o prolongamento natural da Península Ibérica, estando ambas as regiões ligadas por antigas e fortes raízes geográficas, culturais e económicas. No entanto, havia uma separação, uma inimizade radical: a Europa era cristã, e Marrocos muçulmano. Mas aqui sabia-se que o Norte de África havia, muito tempo atrás, sido cristão. No século XV, já não restava território muçulmano em Portugal; a chamada “Reconquista” havia terminado há mais de cem anos, mas entendia-se que o esforço de recuperar o antigo território para a Cristandade bem podia estender-se para lá do Estreito de Gibraltar. Havia ainda um reino muçulmano na Península, o reino de Granada, mas os castelhanos não aceitariam uma interferência portuguesa no que consideravam ser território seu a conquistar a curto prazo. Só o fariam, no entanto, em 1492.
Em Portugal haviam assim uma predisposição latente para continuar o avanço para Sul. O momento para tal só surgiu, porém, em 1415. Quais os motivos que levaram os portugueses a tal acto, e porquê só nesta data? As razões são múltiplas. Em primeiro lugar, Portugal havia saído de uma longa guerra com Castela, onde assegurou a sua independência, com uma nova dinastia, a do Mestre de Avis, agora D. João I, e uma nova classe dirigente e aguerrida. Após a assinatura da paz com os castelhanos, em 1411, sentia-se a necessidade de agir no sentido de valorizar Portugal aos olhos de toda a Cristandade, e igualmente impôr algum respeito aos nossos vizinhos. Para tal, nada melhor do que tomar uma cidade muçulmana, o que era, aliás, abençoado pelo Papa e celebrado por toda a Europa. Uma vez que Castela vedava o acesso a Granada, Marrocos era a melhor escolha.
Por esta altura, havia uma concordância quase total em conquistar Ceuta, desde ao rei aos infantes, da nobreza á burguesia de Lisboa. Sendo Ceuta uma rica cidade, onde afluíam diversas mercadorias de todo o Mundo Muçulmano, era uma boa oportunidade para obter uma rica presa e tentar lucrar futuramente com tal conquista. Aliás, o domínio da cidade seria uma posição estratégica importante no Estreito de Gibraltar, que dominava a entrada do Mediterrâneo, permitindo combater a pirataria moura na região e abrir o acesso a uma região rica em recursos, desde as pescas ao comércio do ouro, do açúcar e dos cereais do Sul de Marrocos.
Após a conquista da cidade, os portugueses cedo se aperceberam que uma coisa era tomar Ceuta, outra bem mais difícil era mantê-la em mãos portuguesas. A cidade passou a estar periodicamente cercada, obrigando ao envio permanente de tropas e mantimentos. Esta inesperada resistência e hostilidade aos portugueses impedia o que se julgava bem mais fácil, isto é, o prosseguimento da conquista de Marrocos que muitos advogavam. Assim, uma boa parte da classe dirigente portuguesa passou a preferir um outro vector de expansão, mais pacífico e menos dispendioso: o das viagens de descobrimento da costa e de comércio pacífico, assim como o da colonização da Madeira e dos Açores, entretanto descobertos. Esta via de expansão teve um importante defensor na pessoa do Infante D. Pedro, sobretudo após o fracasso da segunda tentativa de avanço em Marrocos, o malogrado ataque a Tânger, onde ficou refém o seu irmão D. Fernando. No entanto, é preciso entender que, aos olhos da mentalidade da época, as viagens de descobrimento e de comércio pacífico na costa africana não tinham o prestígio e o valor das conquistas guerreiras e da guerra aos muçulmanos, e os portugueses, a começar pelo Infante D. Henrique, para aqui se voltaram apenas porque o prosseguimento da conquista marroquina surgia como inviável.
Ao longo do século XV, assim, os portugueses voltaram ocasionalmente à conquista marroquina, sempre que tal surgia como uma boa oportunidade. Durante a regência do Infante D. Pedro, como vimos, os portugueses viram-se para a exploração atlântica, sendo uma época de rápido avanço para Sul e do incremento do comércio africano. Porém, com a subida ao trono de D. Afonso V, após a batalha de Alfarrobeira, Marrocos volta novamente a ser uma prioridade, em boa parte devido ao interesse pessoal deste rei. Entretanto, morre o Infante D. Henrique, o grande promotor dos Dscobrimentos, pelo que as viagens sofrem um momentâneo impasse. A conquista de Marrocos está, assim, novamente na ordem do dia.
Durante este reinado os portugueses tomaram Alcácer-Ceguer, Tânger e Arzila. O rei participou em pessoa na conquista desta última cidade, assim como o seu filho D. João, futuro D. João II, que aqui foi armado cavaleiro com 16 anos de idade devido à sua valentia demosntrada em combate. Eis como descreve o cronista Rui de Pina o comportamento do príncipe em Arzila:
“Certamente era grande glória ver aquele dia na mão do príncipe em idade de 16 anos sua espada de bravos golpes torcida, e de sangue de infiéis em todo banhada, em cuja vista a maior parte da alegria era de El-Rei seu pai, que naquela vitória e perigo o tomou por parceiro, vendo que em ajuda tão necessária e perigo tão conhecido não poderá no mundo escolher melhor companheiro do aquele que gerara por filho.”
Com D. João II, nova viragem. Marrocos passa a deter definitivamente um papel subalterno na expansão portuguesa. O avanço na costa africana e a descoberta do caminho marítimo para a Índia são doravante os grandes objectivos. Por esta altura, os horizontes dos portugueses alargavam-se a um ritmo muito rápido. Marrocos era apenas uma peça no plano mais vasto de expansão do rei D. João, que retoma o interesse meramente pacífico e comercial do seu tio o infante D. Pedro, abandonando a política de conquistas. O seu principal interesse em Marrocos era o de obter produtos que servissem para o comércio da Guiné, que nesta altura conhece uma grande expansão. Assim, o rei irá promover os contactos e a penetração pacífica, o atenuou bastante o clima de permanente tensão que se vivia junto das praças portuguesas. Durante o seu reinado, as cidades de Safim e Azamor, no sul de Marrocos, colocam-se sob a protecção portuguesa. D. João II conseguiu abrir uma feitoria em Orão e uma em Fez, no coração de Marrocos, o que espelha bem o ambiente pacífico que conseguiu promover. Fracassou, porém, a sua tentativa de construir uma fortaleza no Algarve marroquino, a Graciosa.
No reinado seguinte, de D. Manuel, os portugueses voltam a interessar-se por Marrocos, assinalando o auge da presença portuguesa nesta região, como veremos em breve.
Paulo Jorge de Sousa Pinto – texto de apoio a programas de rádio sob a designação ”Era uma vez… Portugal”, emitidos entre 1993 e 1996 pela RDP-Internacional, em associação com a Sociedade Histórica da Independência de Portugal
27 Abril 2009
Militar (?-Pernambuco, Recife, Junho de 1662). Negro, oriundo de Pernambuco, que se distinguiu nas lutas contra os holandeses no Nordeste do Brasil. Em 1636, interveio militarmente pela primeira vez, em defesa do engenho de São Sebastião. Defendeu a Baía em 1638, e nessa mesma altura recebeu de Filipe IV o foro de fidalgo e o hábito da Ordem Militar de Cristo. Um ano depois foi nomeado cabo e governador dos crioulos, mulatos e negros que integrassem a guerra contra os holandeses. Na Insurreição Pernambucana, colocou-se ao lado de Fernandes Vieira, tendo participado nas duas batalhas de Guararapes.
(via “História de Portugal – Dicionário de Personalidades” (coordenação de José Hermano Saraiva), edição QuidNovi, 2004)
27 Abril 2009
MARTIM AFONSO DE SOUSA E A COLONIZAÇÃO DO BRASIL
A descoberta do Brasil por Pedro Álvares Cabral, no ano de 1500, não despertou grande interesse em Portugal. Durante os anos seguintes, os portugueses limitaram-se a reconhecer algumas partes da costa brasileira e construir alguns fortes. Nesta época, todas as atenções estavam voltadas para a Índia e para a consolidação da presença portuguesa no Oriente. Era aqui que o rei D. Manuel investia os seus recursos, sendo o Brasil apenas um ponto de apoio ás naus que regressavam da Índia. O pau-brasil era o seu produto mais apreciado e importante, mas em nada comparável ás especiarias que os portugueses traziam do Oriente. Pretendia-se também reconhecer a costa, e saber até onde se estendia a terra que, segundo o Tratado de Tordesilhas, cabia por direito a Portugal. Assim, o Brasil desempenhou, até á década de 1530, um papel secundário no seio do Império Português. A certa altura, porém, os portugueses começam a interessar-se pelo Brasil, interesse esse despoletado por um factor essencial: a ameaça francesa que pairava sobre os interesses portugueses. É, de facto, a interferência francesa no Atlântico, ao enviar armadas ao Brasil, ameaçando a segurança da Rota do Cabo, que ligava Portugal ao Oriente, que levaria os portugueses a agir rapidamente no sentido da fixação permanente. E assim se iniciou a colonização da costa brasileira.
O problema da concorrência europeia nos mares explorados pelos portugueses é algo que se colocou em todo o processo dos Descobrimentos. O Tratado de Tordesilhas, assinado entre D. João II e os Reis Católicos de Espanha, deixava de fora outras potências, que cobiçavam cada vez mais os proveitos retirados pelos portugueses e espanhóis, quer no Oriente, quer no Novo Mundo. Os franceses foram os primeiros: logo em 1503 preparam uma armada com destino ao Índico, tendo contratado dois pilotos portugueses. Porém, uma tempestade arrasta-a á costa brasileira, onde carrega pau-brasil. Nos anos seguintes, o rei de França favorece e dá cobertura a diversas iniciativas de corsários franceses no Brasil, que para além de se abastecerem do referido produto pretendiam interceptar os navios portugueses regressados da Índia, carregados de especiarias. D. Manuel, e mais tarde D. João III, responde a esta ameaça com duas ofensivas: em primeiro lugar, enviando armadas de policiamento do Atlântico e da costa brasileira, e construindo aqui uma rede de feitorias que consolidassem a presença portuguesa; depois, desencadeando uma ofensiva diplomática junto da corte francesa e da Santa Sé, protestando e reclamando os direitos de Portugal á navegação atlântica.
A diplomacia não conseguiu, porém, resolver o conflito. Pelo contrário, este agravou-se, e no fim da década de 1520 D. João III apercebe-se da gravidade da situação e da dimensão da ameaça francesa, e passa a considerar várias propostas de colonização e de fixação permanente no Brasil. Acabou por agir rapidamente, preparando logo em 1530 uma grande frota com destino ao Brasil, comandada por Martim Afonso de Sousa e levando cerca de 400 povoadores, entre portugueses, alemães e italianos. Assim se iniciou verdadeiramente a colonização portuguesa no Brasil.
A missão de Martim Afonso de Sousa era vasta: Policiar a costa brasileira e expulsar os franceses; reconhecer de forma profunda a costa, desde o Amazonas até ao Rio da Prata, assinalando a soberania portuguesa em diversos locais; procurar vestígios de metais preciosos; iniciar a colonização, estabelecendo as condições necessárias para o povoamento. Tinha poderes correspondentes a um verdadeiro governador, jurídicos, administrativos, militares e económicos. Levou a bom termo a missão que lhe foi confiada, mau-grado os poucos recursos de que dispunha para tal empresa. Uma das acções que contribuiram para o seu bom êxito foi o contacto com os portugueses anteriormente instalados em algumas localidades, que tinham boas relações com as populações locais: tal facilitou a fixação dos povoadores junto das populações índias que se mostravam abertas aos portugueses. Convém não esquecer que outras já se haviam revelado hostis, havendo mesmo alguns grupos aliados dos franceses.
Mas o aspecto mais importante da acção de Martim Afonso de Sousa diz respeito á colonização propriamente dita, iniciada no sul, onde a presença portuguesa era mais débil. A 22 de Janeiro de 1532, os portugueses fundam duas vilas: a de S. Vicente, na costa e, um pouco no interior, junto ao rio Piratininga, a que mais tarde se chamaria S. Paulo. Tal acontecimento ficou registado no diário de Pero Lopes de Sousa, irmão de Martim Afonso de Sousa, que conta:
“Terça feira, pela manhã, fui num batel da banda de aloeste da baía e achei um rio estreito, em que as naus se podiam correger, por ser muito abrigado de todos os ventos, e á tarde metemos as naus dentro com o vento sul. Como fomos dentro, mandou o capitão fazer uma casa em terra para meter as velas e enxárcia. Aqui, neste porto de São Vicente, varámos uma nau em terra. A todos nos pareceu tão bem esta terra, que o capitão determinou de a povoar e deu a todos os homens terras para fazerem fazendas e fez uma vila na ilha de São Vicente e outra nove léguas dentro pelo sertão, á borda de um rio que se chama Piratininga, e repartiu a gente nestas duas vilas e fez nelas oficiais e pôs tudo em boa obra de justiça, de que a gente toda tomou muita consolação com verem povoar vilas e ter leis e sacrifícios e celebrar matrimónios e viverem em comunicação das artes e ser cada um senhor do seu (…)”.
Foi este um dos grandes núcleos da presença portuguesa no Brasil, e aquele em que se deu início á exploração agrícola. Aqui se experimentou o cultivo da vinha e do trigo, mas sobretudo o da cana-de-açúcar, com a instalação dos respectivos engenhos. Foi também incrementada a pecuária, com o recurso a gado proveniente de Cabo Verde e adaptado ao clima local. Já anteriormente, porém, se havia lançado gado com vista á sua aclimatação. Ao regressar a Portugal com os resultados da sua missão, Martim Afonso de Sousa faz escala em Pernambuco, onde expulsa os franceses aí instalados, e destrói a respectiva fortaleza.
Iniciada a colonização com a expedição de Martim Afonso de Sousa, era necessário dar-lhe continuidade. Mas o rei D. João III apercebe-se de que a Coroa não tinha poder nem recursos suficientes para promover por si só a colonização da costa brasileira, que era demasiado vasta. Como a ameaça francesa permanecia um motivo de preocupação, decide então adoptar o modelo já aplicado com sucesso ás ilhas atlânticas, o das capitanias. Na prática, isto consistiu na divisão da linha de costa em lotes, que foram entregues a diversos capitães, abrangendo todo o Brasil. Cada capitão teria a obrigação de, ás suas custas, promover o povoamento, impedir a fixação dos franceses, explorar a terra e os seus recursos, e procurar metais preciosos. Tinha direito a algumas parcelas de terra, e a outros rendimentos que compensavam os seus encargos com a colonização. Deste modo, foi possível prosseguir o trabalho de povoamento que, com alguma s alterações, subsistiu até muito tarde, e permitiu enfrentar as ameaças á presença portuguesa no continente, nomeadamente a holandesa, já no século XVII.
Quanto a Martim Afonso de Sousa, ao chegar a Lisboa, é nomeado capitão-mor da Índia, para onde parte em 1534. Os seus serviços no Oriente foram de tal maneira importantes que o rei o nomeia vice-rei da Índia alguns anos depois. Não mais voltou a terras brasileiras, permanecendo a partir de 1547 como conselheiro do rei. Viria a falecer apenas em 1571, ficando para sempre registado o seu nome como o responsável pelo início da colonização portuguesa no Brasil.
Paulo Jorge de Sousa Pinto – texto de apoio a programas de rádio sob a designação “Era uma vez… Portugal”, emitidos entre 1993 e 1996 pela RDP-Internacional, em associação com a Sociedade Histórica da Independência de Portugal
24 Abril 2009
Arquitecto (Merceana, Alenquer, 1538 – Rio de Janeiro, 1633). Jesuíta leigo desde 1562, foi mestre-de-obras em São Roque, Lisboa. Foi para o Brasil em 1577, onde introduziu o estilo jesuítico. São da sua autoria a igreja de Olinda (o mais antigo monumento arquitectónico do Brasil) e a actual Catedral de Salvador (Baía). Foi ainda, durante 38 anos, piloto do navio utilizado pelos seus superiores provinciais.
(via “História de Portugal – Dicionário de Personalidades” (coordenação de José Hermano Saraiva), edição QuidNovi, 2004)
24 Abril 2009
A EXPANSÃO PORTUGUESA E A POLÉMICA DA LIBERDADE DOS MARES
Na História dos Descobrimentos Portugueses tão importantes foram as descobertas como as medidas tomadas para salvaguardar essas mesmas descobertas. Podemos afirmar que um dos problemas mais importantes na época, para os reis de Portugal, era o da forma de poder proteger a navegação e as terras onde os portuguesas haviam aportado da cobiça e interferência de outras potências europeias. Logo desde o início, ainda no tempo do Infante D. Henrique, se sentiu a necessidade de garantir esta segurança. Como é fácil de verificar, este problema ampliou-se consideravelmente nos séculos XVI e XVII, quando a presença portuguesa se estendia do Brasil ao Extremo Oriente. Na verdade, um império mundial como o português cedo sentiu as dificuldades de manter afastados os rivais e concorrentes europeus das terras onde haviam sido os portugueses os primeiros a chegar, e sobre as quais reclamavam exclusividade. Primeiro castelhanos, depois franceses, mais tarde ingleses e holandeses não estavam dispostos a respeitar esta pretensão, que os portugueses tentaram fazer vingar quer pela força, quer pela diplomacia. Vamos falar hoje da ruptura, do momento da viragem em que os portugueses deixam de poder valer os seus argumentos enquanto sofrem a competição acelerada dos seus rivais, na discussão que se designou como a “polémica da liberdade dos mares”.
A cobiça de nações estrangeiras sobre as terras descobertas pelos portugueses é tão velha como os próprios Descobrimentos. Os primeiros rivais foram os castelhanos, ainda no século XV, que disputavam a Portugal a navegação e o comércio nas costas africanas. Porém, a rivalidade com os nossos vizinhos acabou por ser resolvida por negociações directas, cujo resultado foi o Tratado de Tordesilhas (de que comemoramos este ano o 5º Centenário), e que dividia o mundo em duas partes iguais para cada um dos países ibéricos. Com os espanhóis o problema foi, assim resolvido desde cedo. Naquela época, era comum recorrer-se ao Papa como árbitro para resolver questões deste tipo, pelo que desde muito cedo os portugueses obtiveram diversas bulas papais que concediam a Portugal a exclusividade de exploração das terras descobertas e a descobrir. Com os espanhóis, como já dissémos, a competição resolveu-se a contento de ambas as partes. Já com outros países europeus a questão não foi tão pacífica.
No século XVI, os principais rivais dos portugueses, tendo como palco o vasto território do Brasil, foram os franceses. D. João III teve de enfrentar as suas tentativas de fixação na costa brasileira e os seus projectos de colonização. Desta vez não houve possibilidade de solução pacífica e diplomática: os franceses foram expulsos pela força e os portugueses iniciaram a colonização do Brasil, com a fundação das capitanias. No entanto, Portugal sentia dificuldades cada vez maiores em assegurar, no espaço tão vasto que se estendia do Brasil ao Japão, a exclusividade de navegação e os monopólios comerciais sem concorrência estrangeira. Seria nos finais do século, quando o poder português se enfraquecia gradualmente, que os ingleses e os holandeses conseguiriam competir e, em alguns casos, suplantar os portugueses em várias regiões onde estes haviam sido os primeiros a chegar.
Para os portugueses, uma nova era chegara em 1580, quando o rei espanhol Filipe II se tornou igualmente rei de Portugal. Durante várias décadas, os portugueses vêem-se arrastados para conflitos que não desejavam, pois desde então que os inimigos de Espanha se tornaram igualmente inimigos de Portugal; e os mais ferozes eram os ingleses e os holandeses. Ambos eram tradicionais aliados e parceiros comerciais de Portugal, mas que passam agora a ser inimigos. Dois factos pesaram decisivamente para a concorrência desenfreada que ambos passam a fazer aos portugueses. Em primeiro lugar, o novos reis de Portugal fecham os portos portugueses ao comércio inglês e holandês, pelo que estes são obrigados a procurar as preciosas especiarias á sua origem, ou seja, ao Oriente, que até então havia permanecido exclusivamente português; em segundo lugar, estes povos haviam aderido á Reforma protestante, ou seja, não reconheciam a autoridade do Papa, que as bulas papais que atribuíam privilégios aos portugueses não tinham para eles qualquer valor. Assim, os navios ingleses e holandeses passam a atacar de modo contínuo a navegação portuguesa no Atlântico, quer a do Brasil, quer a da Índia, e nos finais do século XVI procedem ás primeiras viagens ao Oriente, fazendo a guerra aos portugueses e abastecendo-se directamente das especiarias e dos produtos orientais. Estava assim aberta a porta para o fim da exclusividade portuguesa de navegação e comércio nas regiões onde haviam sido os primeiros a penetrar.
A chamada “polémica da liberdade dos mares” nasceu por esta altura, e foi despoletada por um episódio de pirataria cometido pelos holandeses no Oriente: a captura e apresamento da nau portuguesa Sta. Catarina, carregada de mercadorias chinesas, em 1603. O navio foi levado para a Holanda e a sua carga vendida em leilão, rendendo uma quantia fabulosa. É neste momento que se inicia o debate sobre a legitimidade de tais actos. O autor mais famoso que se dedicou a tal assunto foi o holandês Hugo Grócio, que elaborou uma teoria chamada vulgarmente de “Mare Liberum”, ou seja, Mar Livre; afirmava que o mar era de todos os povos, e que portanto todos podiam navegar livremente, não tendo os portugueses o direito de reclamar algo lhes não pertencia; como estes tentavam impedir que os holandeses e outros povos navegassem para Oriente, estes tinham o direito de se defender e responder á guerra com a guerra.
Alguns anos mais tarde, um português chamado Serafim de Freitas escreve a réplica a esta tese, num trabalho chamado Do Justo Império Asiático dos Portugueses. Dizia ele que os portugueses tinham o direito ao “Mare Clausum”, ou seja Mar Fechado, pois haviam sido os primeiros a lá chegar, com grandes despesas e sacrifícios; que o mundo era imenso, e que se os holandeses tivessem intenções pacíficas, que se dirigissem a outros mares, pois muito havia ainda por descobrir; finalmente, que os holandeses não haviam ido ao Oriente com intenções pacíficas de comerciar, mas sim de atacar e piratear os navios portugueses, como ficou provado no caso do Sta. Catarina.
Estes debates teóricos, embora interessantes, andavam porém um pouco á margem da realidade concreta. Na verdade, o que acontecia é que os portugueses já não tinham poder suficiente para defender a totalidade do seu império marítimo. No século XVII os ingleses e holandeses lançam-se ao assalto das possessões portuguesas, no Brasil, em África como no Oriente. Momentos houve em que o perigo de perder tudo foi bem real. Porém, a Restauração de 1640 veio dar novo alento a Portugal, procedendo-se então ao esforço de salvar o possível e recuperar o indispensável. Assim, o Brasil, S. Tomé, Luanda foram retomadas; no Oriente, porém, a situação era de tal modo grave se tornava impraticável um esforço semelhante. O Império Português tomou então definitivamente a sua feição atlântica com que subsistiu durante os séculos seguintes.
Paulo Jorge de Sousa Pinto – texto de apoio a programas de rádio sob a designação ”Era uma vez… Portugal”, emitidos entre 1993 e 1996 pela RDP-Internacional, em associação com a Sociedade Histórica da Independência de Portugal
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