O Achamento do Brasil


O «achamento» de terras da costa ocidental do Brasil, expressão utilizada por Pêro Vaz de Caminha para identificar terras que alguns autores admitem poder corresponder a um encontro de terras procuradas, foi descrito pelo mencionado escrivão na sua famosa carta, que constitui uma autêntica reportagem antropológica sobre os primeiros contactos amistosos dos homens da armada de Pedro Álvares Cabral com os autóctones. Os portugueses viram com a maior estranheza os modos de vida dos tupiniquins que habitavam a região da baía Cabrália formando comunidades semi-sedentárias, nas quais as actividades recolectoras se combinavam com a cultura de raízes de mandioca. Os ameríndios foram então vistos pelos portugueses como seres onde seria possível introduzir a civilização, tal como eles a viam.

A armada de Pedro Álvares Cabral ligou pela primeira vez os quatro continentes, pois partindo e regressando à Europa estabeleceu contactos com a África e o Brasil, antes de atingir a Ásia em 22 de Agosto de 1500.

Os topónimos Terra de Vera Cruz ou Terra de Santa Cruz não se conseguiram impor, pois o nome que veio a prevalecer foi o de Brasil, devido à importância que adquiriu o pau-brasil, cor de brasa, e foi o produto mais importante durante os primeiros tempos da exploração do novo território.

Em 1501-1502 e 1503-1504 duas expedições portuguesas de exploração comandadas por Gonçalo Coelho realizaram o reconhecimento do litoral ocidental do Brasil, a que se poderá acrescentar uma outra expedição em 1502-1503 da responsabilidade de Fernão de Loronha, a qual visava recolher pau-brasil.

Em 1514 foi avistado o rio da Prata.

“Breve História dos Descobrimentos e Expansão de Portugal”, de José Manuel Garcia, Editorial Presença, 1999, pp. 71 e 72

Em carta datada de 30 de Julho de 1514, Estêvão Fróis afirmou que o equador era considerado em termos práticos a divisória das zonas de influência entre Portugal e Castela na América, certamente por se ter observado anteriormente que o equador passava próximo da foz do Amazonas, o que era verdade, pois por aí passavam de facto as 370 léguas a ocidente das ilhas de Cabo Verde e por aí aparece traçada a linha divisória no chamado «Mapa de Cantino» de 1502.

A referida afirmação implicava saber que a linha de demarcação estabelecida pelo Tratado de Tordesilhas passava pela proximidade da foz do rio Amazonas. Ora uma das hipóteses que se tem colocado e a que já aludimos, é a de que a esta região já em 1498 teria sido enviado Duarte Pacheco Pereira, o qual em 1494 havia sido um nos negociadores do Tratado de Tordesilhas podendo sugerir-se a hipótese de ter sido o conhecimento de terras ou indícios de terras brasileiras, o factor que levou a que D. João II exigisse mais 270 léguas para ocidente da linha de demarcação. O que é certo é que quando em 1498 Cristóvão Colombo saiu das ilhas de Cabo Verde para ocidente ele referiu que tal conhecimento teria sido indicado por D. João II quando negociara o referido tratado. Por outro lado, em 1514 EStêvão Fróis afirmou que Portugal «possuía estas terras há vinte anos ou mais e que já João Coelho, o da porta da Cruz, vizinho da cidade de Lisboa», já fora a terras do Norte do Brasil, onde ele havia ido.

Depois da viagem de Cristóvão Colombo de 1498 tem-se discutido se os navegadores castelhanos Vicente Yañes Pinzon e Diego de Lepe teriam chegado em 1500 a terras brasileiras a oriente da foz do rio Amazonas. Trata-se de um assunto bastante nebuloso e controverso, onde é difícil obter certezas, depois de Duarte Leite e Damião Peres terem apresentado abundante argumentação contra tal possibilidade.

“Breve História dos Descobrimentos e Expansão de Portugal”, de José Manuel Garcia, Editorial Presença, 1999, pp. 70 e 71

Apesar da determinação das longitudes nos séculos XV a XVII ser obtida por estima, o seu cálculo não levava normalmente a erros excessivos, pelo que muitos autores têm admitido que Pedro Álvares Cabral ordenou intencionalmente um desvio para ocidente, com o objectivo de conhecer uma terra de que poderia ter informações de natureza muito imprecisa ou por querer saber se para ocidente haveria alguma terra no âmbito da demarcação do Tratado de Tordesilhas. A tese da intencionalidade do desvio da armada para ocidente tem a seu favor, entre outros argumentos, a informação registada na carta que Mestre João Farras escreveu a D. Manuel de Porto Seguro no dia 1 de Maio de 1500, na qual recomendava ao rei que visse a situação do sítio de onde escrevia num mapa que tinha Pêro Vaz da Cunha, o Bisagudo, e se deduz ser posterior a 1482, ainda que ele fosse incompleto, pois não indicava se aquela terra era habitada. Seria de estranhar que Mestre João estivesse a remeter o rei para uma das ilhas míticas que nessa altura ainda se registavam nos mapas. Devemos observar, contudo, que o eventual conhecimento dessa terra não se encontrava registado na carta padrão do Armazém da Guiné, pois se ela lá estivesse indicada Mestre João Farras não teria de evocar aquele mapa na posse de um particular.

Pedro Álvares Cabral não conhecia a terra situada na região de Porto Seguro onde desembarcou, mas poderia ter recebido instruções no sentido de que, no decorrer da sua navegação, durante a qual necessitava de se afastar para ocidente, forçasse o rumo nessa direcção para verificar se ali poderia haver terras, de que já haveria indicações, nomeadamente no mapa-mundi de Pêro Vaz Bisagudo. Não se pode excluir a possibilidade de haver informações, recolhidas desde, pelo menos, 1493 o período das negociações que levaram a deslocar mais 270 léguas para ocidente a linha divisória acordada no Tratado de Tordesilhas, no âmbito das quais se abarcava o território brasileiro. Como também já referimos, a zona correspondente à foz do Amazonas poderia ter sido já explorada por Duarte Pacheco Pereira em 1498, de acordo com as afirmações que nesse sentido ele faz no seu Esmeraldo de Situ Orbis, e vão ao encontro de indicações expressas pelos Reis Católicos em 1493 e por Cristóvão Colombo em 1498. Quando neste último ano o genovês foi ao arquipélago de Cabo Verde, de onde rumou para ocidente, tinha como objectivo identificar terras que suspeitava serem do conhecimento de D. João II quando este negociou o Tratado de Tordesilhas, tendo sido então que ele descobriu a Venezuela.

“Breve História dos Descobrimentos e Expansão de Portugal”, de José Manuel Garcia, Editorial Presença, 1999, pp. 69 e 70

Um segundo grupo de navios tinha por destino Sofala. Um deles era comandado por Bartolomeu Dias, talvez uma caravela redonda, que se afundou entre o Brasil e o cabo da Boa Esperança. O outro, uma nau ou caravela, capitaneada por Diogo Dias, afastou-se da armada no Atlântico Sul, tendo acabado por explorar o litoral da África Oriental.

A armada partiu do Restelo a 9 de Março de 1500 e a viagem correu normalmente até às proximidades das ilhas de Cabo Verde, sem que houvesse necessidade de aí se proceder a reabastecimento. A armada passou junto da ilha de São Nicolau e rumou depois para ocidente, de forma a apanhar a sul do equador os ventos favoráveis (alisados de sueste), os quais lhe permitiriam atingir o cabo da Boa Esperança, dando assim uma volta idêntica à já traçada por Vasco da Gama. Pouco depois de deixar as águas do arquipélago de Cabo Verde o navio de Vasco de Ataíde perdeu-se misteriosamente, talvez por ter algum rombo, metido água e afundado, sem que nenhum dos testemunhos presenciais da viagem tenha assinalado qualquer anomalia da navegação por essa ocasião.

Por motivos naturais, ligados ao regime de ventos e correntes marítimas em meados de Abril, ou por ordem do capitão-mor, a armada deslocou-se para uma longitude mais ocidental do que aquela que tinha sido atingida por Vasco da Gama e da que seria seguida depois pelos navios que faziam a Carreira da Índia. O desvio foi de tal forma grande que no dia 22 de Abril de 1500 os portugueses avistaram aquele que foi baptizado como Monte Pascoal, situado numa terra que Pedro Álvares Cabral denominou Terra de Vera Cruz e D. Manuel preferiu antes chamar Terra de Santa Cruz. Era o Brasil!

“Breve História dos Descobrimentos e Expansão de Portugal”, de José Manuel Garcia, Editorial Presença, 1999, pp. 68 e 69

Em 1500 D. Manuel nomeou Pedro Álvares Cabral como capitão-mor da segunda armada que enviou para a Índia. Era constituída por treze navios nos quais embarcaram o escol da pilotagem portuguesa da época e uns 1200 a 1500 homens.

Sobre a constituição da armada as dúvidas que subsistem centram-se sobretudo no problema de saber quantas caravelas poderiam fazer parte da armada, pois a maioria dos navios eram naus equipadas com velas de pano redondo. Quanto aos destinos dos navios, eles iam com duas missões diferentes. A maioria ia para a Índia, sendo nove pertencentes ao rei e dois a particulares. De seguida apresentamos os nomes dos capitães de cada navio e as características de cada um.

Nos navios do rei seguiam: Pedro Álvares Cabral, na nau capitânia; Sancho de Tovar era o sota-capitão e ia na nau El-Rei, com  cerca de 360 tonéis; Simão de Miranda de Azevedo; Aires Gomes da Silva ia numa nau que se afundou entre o Brasil e o cabo da Boa Esperança; Simão de Pina era capitão de uma nau que também se afundou  entre o Brasil e o cabo da Boa Esperança; Vasco de Ataíde ia na nau que se afundou depois de deixar o arquipélago de Cabo Verde; Nicolau Coelho; Pedro de Ataíde capitaneava uma nau ou caravela redonda de nome São Pedro, de 70 tonéis; Gaspar de Lemos ia numa nau ou naveta com reforço de mantimentos, a qual regressou a Portugal depois da escala no Brasil, indo talvez destinada a esse fim ou a ser abandonada.

Um dos capitães das duas naus de armadores particulares era Nuno Leitão da Cunha, na Nossa Senhora da Anunciada, com cerca de 167 tonéis, que pertencia à parceria de D. Álvaro de Bragança com os banqueiros-mercadores Bartolomeu Marchioni, Girolamo Sernigi e António Salvago. O outro capitão era Luís Pires que ia na nau pertencente à parceria de D. Diogo da Silva de Meneses (1.º conde de Portalegre) e mercadores, que foi outro dos navios que se afundou entre o Brasil e o cabo da Boa Esperança.

“Breve História dos Descobrimentos e Expansão de Portugal”, de José Manuel Garcia, Editorial Presença, 1999, pp. 67 e 68