Desanuviamento e reorientação
Os Portugueses de Macau foram obrigados a aguardar mais algum tempo até que a situação voltasse à normalidade. A crescente influência dos jesuítas junto do Imperador pesou decisivamente neste sentido. Assim, ao longo da década de 1670, Macau a situação desanuviou-se gradualmente, à medida que as regiões meridionais caíam sob a autoridade do poder central. A revolta de três principados do Sul, despoletada em 1673, só foi dominada 3 anos mais tarde. Aproveitando o facto de Kangxi assumir cada vez mais o papel de grande reunificador da China, mediante consecutivas vitórias militares, os moradores de Macau decidiram enviar uma comitiva de cortesia e saudação. Chefiada por Bento Pereira de Faria, chegou a Pequim em Setembro de 1678. O aspecto mais curioso desta delegação foi o facto de incluir o transporte de um leão, capturado em Moçambique, que foi oferecido ao Imperador e que causou grande impressão na capital chinesa.
Graças aos esforços dos jesuítas que rodeavam Kangxi, a comitiva de Bento Pereira de Faria conseguiu obter alguns resultados no que respeitava ao levantamento dos éditos de 1661-62. A curto prazo, as ligações com Cantão foram restabelecidas e a navegação portuguesa retomou o seu ritmo normal. Contudo, enquanto os últimos focos de resistência não desaparecessem, havia sempre o risco de as embarcações portuguesas correrem riscos acrescidos. A conquista da Formosa pelos generais Qing, em 1683, veio resolver definitivamente a questão. Macau teve ainda que suportar durante algum tempo as exacções abusivas por parte dos mandarins do Guangdong/Guangxi, mas a situação regressou rapidamente à normalidade.
No entanto, Macau perdeu a sua antiga função de acesso exclusivo a Cantão, cuja feira estava agora aberta aos navios de outras potências europeias. A concorrência, tanto por parte dos europeus como pelas comunidades chinesas ultramarinas, reduzia a margem de manobra dos mercadores de Macau. Uma vez mais, os Portugueses procederam à reorganização do seu comércio, intensificando os seus contactos com os reinos da Indochina e várias regiões da Insulíndia. Já alguns anos antes o vice-rei de Goa havia tentado retomar e explorar, por conta da Fazenda Real, várias linhas de comércio (ou viagens) de Macau, nomeadamente Manila, Solor, Timor e Larantuca, e iniciativas semelhantes viriam a ocorrer na década de 1680. Embora sem o fulgor do seu período áureo, Macau retomou o seu papel como entreposto comercial nos mares do Extremo Oriente e vanguarda da presença portuguesa europeia na região, deixando definitivamente para trás um período de crise que se conta certamente entre os mais difíceis da sua história secular.
Paulo Jorge de Sousa Pinto. “Os Anos da Tormenta – Macau e a Crise de Meados do Século XVII”. Encontros de Divulgação e Debate em Estudos Sociais, Nº 5, Jan.- Jun. 2000
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