Neste ponto, Caminha suspendeu a pena e reflectiu que a ausência de ouro e prata seria, sem dúvida, uma triste notícia para o Rei Felicíssimo. Então, com uma ruga de preocupação a formar-se na testa, acrescentou depois de mais algumas considerações sobre a terra:
“Porém, o melhor fruto que dela se pode tirar me parece que será salvar esta gente. E esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza em ela deve lançar.
E que aí não houvesse mais que ter aqui esta pousada para esta navegação de Calecut, isso bastaria. Quanto mais disposição para se nela cumprir e fazer o que Vossa Alteza tanto deseja, a saber, acrescentamento da nossa santa fé.”
Parou de escrever e pensou como seria magnífica a obra de transformar aqueles gentios tão inocentes em cristãos! Notara que na graciosa fala dos homens da selva não havia os sons de três letras do A, B, C, que eram o F, o L e o R e quando disso falara ao Padre Henrique este lhe contestara com muita verdade: “Se não têm F, é porque não têm Fé em nenhuma cousa que adorem; se não têm L, é porque não têm Lei para se governarem e cada um faz a lei a seu modo; e se não têm R na sua pronunciação, é porque não têm Rei que os governe e a quem obedeçam”. Por isso, os portugueses e el-Rei D. Manuel poderiam preencher estas faltas e dar a este bom povo um mundo cristão, com rei e com polícia. Assim, Sua Alteza o desejasse, mesmo se naquela terra não houvesse ouro, prata e pedrarias! Suspirou, pondo de lado a missiva para el-Rei e tomando uma folha nova começou a escrever a Gonçalo. A pouco e pouco a ruga desfez-se e um sorriso divertido e terno assomou aos lábios do escrivão.
“Uraçá, O Índio Branco”, Deana Barroqueiro, Editora Livros Horizonte, Dezembro de 2001, pp. 118, 119