Alguns erros de pormenor, consagrados pela tradição e transmitidos de obra em obra, estão também presentes, como o de reproduzir a versão (tardia) de João de Barros, segundo a qual Bartolomeu Dias chamara Cabo das Tormentas à ponta Sul de África, e que fora D. João II quem o baptizara de “Da Boa Esperança” (pp. 58-59 da ed. francesa, pp. 46-47 da ed. portuguesa). Na realidade, Duarte Pacheco Pereira diz claramente no seu Esmeraldo De Situ Orbis (que a autora refere na obra) que fora o próprio Dias, que conhecia pessoalmente, a baptizar o Cabo com este último nome.
Em anexo, inclui uma cronologia (com um erro na data de 1525), um glossário e um índice onomástico. A tradução portuguesa é boa, ligeiramente manchada, no entanto, por alguma falta de cuidado, como na utilização de alguns topónimos (como “Choromândel” em vez da forma vulgar de “Coromandel”), e antropónimos (“Uolofes” em vez da forma portuguesa “Jalofos”, “Ferdinando Van Olm” em vez de “Fernão Dulmo”), a inevitável confusão entre “malaio” e “malaiala”, ao tratar do célebre léxico (p. 165) e, sobretudo, a retroversão para Português dos excertos das fontes portuguesas (de que a autora utiliza traduções francesas), bem visível no caso do relato chamado de Álvaro Velho, em vez de buscar os originais.
Por fim, temos o trabalho de Sanjay Subrahmanyam, natural de Delhi, formado pela respectiva universidade e actualmente Directeur d’études na École des Hautes Études en Sciences Sociales, em Paris. Obra menos consensual e mais polémica do que as anteriores, The Career and Legend of Vasco da Gama é mais um estudo de Subrahmanyam nos meandros da Expansão Portuguesa na Ásia, arriscando desta vez uma incursão directa numa figura de primeiro plano do imaginário português. Em vez de amenizar este possível foco de turbulência, esquivando-se a tratar directamente do mito de Vasco da Gama, o autor, pelo contrário, encara-o de frente, elevando as questões ligadas à mitificação do navegador de Sines a temas de primeiro plano da obra. Tal intenção é, aliás, declarada no prefácio: aqui, revela o objectivo de traçar a carreira e o contexto social de Vasco da Gama, analisando os mecanismos que levaram, mediante a exploração do potencial de lenda que o seu feito inevitavelmente continha, à transformação de um obscuro fidalgo alentejano no Grande Argonauta.
O livro inicia-se, curiosamente, não com as origens sociais de Vasco da Gama, mas sim com a ópera de Meyerbeer e Scribe L’Africaine, escrita em 1865. A partir da história veiculada na peça e das suas premissas, Subrahmanyam parte para um primeiro esboço da lenda de Vasco da Gama, que será retocado ao longo da biografia propriamente dita, para culminar no último capítulo, intitulado “Os Julgamentos da Posteridade”, onde procede à reavaliação da figura, da sua carreira e do seu mito. Aliás, um dos pontos de maior interesse do livro é precisamente o tratamento dado a um conjunto apreciável de autores, obras e opúsculos dedicados, desde o Centenário de Camões em 1880, à figura do Gama. O trabalho não destoa da qualidade de obras anteriores do autor, mau-grado alguma insegurança ao tratar questões de História de Portugal (já visível, aliás, na obra anterior, intitulada O Império Asiático Português) e, sobretudo, uma escrita pouco fluida, a que não será alheio um aparato erudito por vezes pesado e frequentes e longas citações de documentação.
Paulo Jorge de Sousa Pinto e Ana Fernandes Pinto. “Vasco da Gama na História e na Literatura – Ensaio Bibliográfico” In Mare Liberum, nº 16, Dezembro 1998, Lisboa, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, pp. 135-174