Canto VII
38
“Porque os que usaram sempre um mesmo ofício,
De outro não podem receber consorte,
Nem os filhos terão outro exercício,
Senão o de seus passados, até morte.
Para os Naires é certo grande vício
Destes serem tocados; de tal sorte,
Que quando algum se toca, por ventura,
Com cerimónias mil se alimpa e apura.
39
“Desta sorte o Judaico povo antigo
Não tocava na gente de Samária.
Mais estranhezas ainda das que digo
Nesta terra vereis de usança vária.
Os Naires sós são dados ao perigo
Das armas; sós defendem da contrária
Banda o seu Rei, trazendo sempre usada
Na esquerda a adarga e na direita a espada.
40
“Brâmenes são os seus religiosos,
Nome antigo e de grande proeminência:
Observam os preceitos tão famosos
Dum que primeiro pôs nome à ciência:
Não matam coisa viva, e, temerosos,
Das carnes têm grandíssima abstinência;
Somente no venéreo ajuntamento
Têm mais licença e menos regimento.
41
“Gerais são as mulheres, mas somente
Para os da geração de seus maridos:
Ditosa condição, ditosa gente,
Que não são de ciúmes ofendidos!
Estes e outros costumes variamente
São pelos Malabares admitidos.
A terra é grossa em trato, em tudo aquilo
Que as ondas podem dar da China ao Nilo.”
(”Os Lusíadas”, Luís de Camões)