Diário navegação Nau São Martinho – Gaspar Reimão


“Rabo-forcado – ave marinha do tamanho de uma galinha vulgar, com as asas muito compridas, pois chegam a ter 2 m de envergadura. O seu corpo é comprido e bifurcado. Actualmente é conhecida pelo nome de “fragata”.

Rabo de junco – ave com o tamanho dum pombo, de cuja cauda sai uma pena delgada e muito mais comprida que as outras.

Rijo – vento muito forte.

Rumo – caminho, rota seguida pelo navio. Cada uma das quartas em que se divide a rosa dos ventos. No tempo de Duarte Pacheco davam o nome de rumo a cada uma das 8 direcções principais da rosa dos ventos, tendo permanecido esse uso durante largo tempo.

Salceiro – chuva abundante, pouco duradoura, em zona limitada, e menos violenta que “aguaceiro”.

Sangradura – o mesmo que “singradura”.

Sesmo – um sexto.

Singradura – o espaço percorrido pelo navio em 24 horas, entre dois meios dias consecutivos. Este termo aparece, por vezes, a significar o espaço de tempo durante o qual o navio seguiu a um único rumo, e também o caminho correspondente.

Tempo feito – bom tempo e com ventos propícios.

Tempo grosso – com vento rijo e mar de grande vaga.

Terral – vento que sopra da terra para o mar durante a noite, até pouco depois do nascer do sol.

Traquete – o primeiro mastro das naus a contar da proa. Também tinha este nome a vela redonda que se arvorava neste mastro por cima do papafigos: traquete da gávea.

Vento bonançoso – vento fraco capaz de impulsionar uma nau, quando soprando de popa, entre 18 e 20 léguas, em 14 horas.

Vento calmão – vento muito fraco que podia dar a uma nau, à popa, entre 14 e 16 léguas, em 24 horas.

Vento esperto – vento capaz de fazer dar à nau, à popa, entre 33 e 35 léguas em 24 horas.

Vento fresco – vento capaz de impulsionar a nau, à popa, 30 léguas em 24 horas.

Vento galherno – vento que, soprando de popa, podia fazer andar uma nau entre 24 e 26 léguas em 24 horas.

Vento teso – vento forte que, soprando de popa, era capaz de fazer andar uma nau de 36 a 38 léguas em 24 horas.

Vento ventante – vento muito forte que, soprando de popa, podia fazer andar uma nau entre 43 e 45 léguas em 24 horas.

Verde – referido ao tempo significa mau tempo; ao mar, mar borrascoso.

Viração – vento fraco que sopra do mar para terra, geralmente entre o meio dia e o anoitecer. É o oposto ao “terral”.”

in “Uma Viagem Redonda da Carreira da Índia (1597-1598)”, de Joaquim Rebelo Vaz Monteiro, Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, 1985, pp. 467 a 470 (excertos)

“A nau ancorou em Moçambique adiantada das outras da companhia, pois só a 16 chegou a São João e a 19 a nau capitania Santa Maria do Castelo.

A partida de Moçambique verificou-se a 22 de Agosto, rumo à Ilha do Comoro situada a nordeste. A ponta do sudoeste dessa ilha foi avistada à uma hora da tarde de 24 de Agosto, depois do que foram arribando por oeste a cerca de 15 léguas da terra. Ao amanhecer de 26, viam a ponta nordeste da ilha que «demorava» a lessueste, «ponta delgada que morre no mar e alta terra» – refere o diário, e, ao meio-dia, a nau postava-se a 16 léguas da banda do noroeste, tendo então percorrido 94 léguas desde Moçambique.

No período seguinte, a nau foi levada a descrever uma trajectória quase paralela à linha da costa da África: primeiramente a norte-quarta-a-nordeste até 29 de Agosto; depois, até 2 de Setembro, a nordeste-quarta-a-norte; e finalmente, até 6 de Setembro, ao nordeste. O caminho percorrido neste período totaliza 291 léguas e foi navegado em boa velocidade (cerca de 26,5 léguas por dia) por acção de ventos favoráveis e fortes que sopraram quase constantemente, embora contrariados por correntes marítimas que, por vezes, se lhes opunham. A 31 de Agosto, o ponto, sito em cerca de 5º de latitude S, é referenciado no diário a 35 léguas dos Baixos do Patrão e a 85 léguas da Ilha de Pemba; e a 4 de Setembro, a 80 léguas de Mogadoxo, terra mais chegada da costa de África. […]

Depois de atingir, em 6 de Setembro, o paralelo de 2º 2/3 N, a marcha da nau prosseguiu a rumos do quadrante do nordeste até cruzar o paralelo de Goa, o que se verificou ao meio dia de 16 de Setembro. O caminho navegado nesse período orçou em 317 léguas, registando-se em quase todas as singraduras velocidades superiores a 35 léguas, graças à acção favorável de ventos que sopraram predominantemente do sudoeste e oessudoeste com forte intensidade e ao bom estado do mar; somente nos dias 12 e 13 de Setemnro se não verificaram tais condições de navegação por motivo da presença de águas defavoráveis, vindas do estreito (de Adem). Durante este período o diário anota duas referências à terra firme que convém salientar: a 10 de Setembro, o ponto é estimado a 100 léguas da Ilha de Socotorá (no traçado medimos 95 léguas); e a 16, a 165 léguas de Goa (no traçado: 163 léguas). Estas referências manifestam a precisão da estimativa do piloto.

A navegação do troço final até Goa processou-se, a partir de 16 de Setembro, sensivelmente a leste, ao longo de 169 léguas de caminho. A nau, em marcha relativamente moderada, foi-se aproximando progressivamente da costa do Malabar, cuja presença começou a ser pressentida em 24 de Setembro com a presença de «corvas pretas pousadas na água», conhecença a que Gaspar Reimão atribuía grande significado. No entanto, o facto de «a água não mostrar nada no fundo» levou-o a sérias dúvidas quanto à justeza da sua posição, que se prolongaram ainda no dia imediato. Só a 26 de Setembro, ao render o quarto da prima (cerca da meia noite), foi certificada a proximidade da costa por prumagem que acusou vasa solta a 80 braças de fundo. Finalmente, a terra foi avistada ao romper do sol, reconhecendo-se, duas horas depois, Bardez e os ilhéus de Goa. A nau São Martinho ancorou em Bardez durante a tarde, e as outras duas naus da armada ao pôr do sol.

O caminho percorrido desde Lisboa, donde tinham partido a 5 de Abril, foi de «três mil quinhentos e setenta e cinco léguas» em cento e sessenta e sete dias de navegação efectiva .”

in “Uma Viagem Redonda da Carreira da Índia (1597-1598)”, de Joaquim Rebelo Vaz Monteiro, Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, 1985, pp. 11 e 12

“Lobo – lobo marinho, foca.

Loeste – oeste.

Manga de veludo – alcatraz branco com as pontas das asas pretas, frequente em águas geralmente pouco profundas.

Mar atravessado – mar cujas vagas têm a direcção aproximadamente normal ao rumo do navio, o qual é assim apanhado pelo través.

Mar banzeiro – mar remexido, com pequena vaga.

Mar chão – mar cujas ondas não vão além de meio metro.

Mar grande – mar de vagas muito alterosas.

Mar grosso – mar cavado.

Mar lançado – mar de vagas espaçadas e pouco alterosas.

Mar pequeno – mar de pequena ondulação.

Marcação da agulha – declinação, variação da agulha.

Meio-dia – a expressão “fazer meio-dia” indicava que a posição do sol tinha parado de subir, de forma que a sombra do estilo do relógio de sol caía na linha das XII horas.

Molinha – vide Bruega.

Montrepicar – multiplicar.

Multiplicar – ganhar caminho em latitude quando, a navegar entre o Equador e determinado polo, o navio seguia o rumo que deste o aproximava, ou para a banda dele era desviado.

Nau – as naus eram grandes navios à vela, de quilha muito bojuda, acastelados à popa e à proa, servindo especialmente para o transporte de mercadorias e de pessoal e alongo curso. Arvoravam 3 mastros – traquete, grande e mezena – nos quais armava pano redondo: papafigos e gáveas nos dois primeiros, e bastardos no último. Além destes mastros, as naus apresentavam ordinariamente um outro – o gurupés – que sobressaía da proa com a inclinação de 30º, no qual se armava uma vela denominada cevadeira.

Nordestear – declinação ou variação da agulha para nordeste.

Pairar – suster a marcha do navio ferrando todo o pano, deixando o navio receber o mar de través.

Pairo – o acto ou o efeito de pairar.

Papafigos – qualquer das velas – a grande e a do traquete – dos navios redondos, que são as primeiras a contar de baixo em qualquer desses mastros.

Prumar – achar a altura da água e, quando necessário, a natureza do fundo, utilizando o prumo. A altura de prumagem era avaliada em braças.

Punho – cada um dos cantos de uma vela, formados pela intercepção de dois lados consecutivos.

Quarta – cada uma das 32 partes em que se considera dividida a rosa-dos-ventos, correspondendo portanto a 11º15’.

Quartos – os quartos de serviço de vigília duma nau eram repartidos por 6 quartos, de 4 horas cada, a saber: quarto da modorra, das 0 às 4 horas da madrugada; quarto de alva, das 4 às 8 horas; quarto da manhã (ou das emendas), das 8 às 12 horas; quarto da tarde, das 12 às 16 horas; quartinho, das 16 às 20 horas. O quartinho é ainda dividido em dois períodos de 2 horas cada, denominados de primeiro e segundo quartinho, das 16 às 18, e das 18 às 20 horas, respectivamente.”

in “Uma Viagem Redonda da Carreira da Índia (1597-1598)”, de Joaquim Rebelo Vaz Monteiro, Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, 1985, pp. 464 a 467 (excertos)

“O códice foi organizado por D. António de Ataíde, 5º Conde da Castanheira, a cujos cuidados se deve ainda a organização de outro códice semelhante que se conserva no Arquivo Histórico Militar.

[…]

Este códice foi publicado em 1938, sob a direcção do comandante Quirino da Fonseca, com o título «Diários da Navegação da Carreira da Índia, nos anos de 1595, 1596, 1597, 1600 e 1603», por iniciativa da Academia das Ciências de Lisboa.

Quanto aos manuscritos dos dois diários da viagem que estudamos, cumpre informar que são cópias dos originais que Reimão teria redigido, pois apresentam, onde a onde, erros grosseiros facilmente detectáveis, motivados decerto por má leitura dos copistas […].”

in “Uma Viagem Redonda da Carreira da Índia (1597-1598)”, de Joaquim Rebelo Vaz Monteiro, Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, 1985, pp. 22 e 23

“A nau, agora sulcando águas da África do Sul, rumou primeiramente para lessueste para se afastar da costa, num percurso de 40 léguas. Atingindo a 17 de Julho o paralelo de 36º ¼ S, tomou o rumo leste nos dois dias imediatos para depois, a rumos de nordeste, alcançar, a 24 do mês, o paralelo de 34º S, desenhando uma curva semelhante à da linha da costa, mantendo todavia uma prudente distância da mesma. A nau tinha então percorrido desde o Cabo das Agulhas 182 léguas, com ventos geralmente favoráveis e correntes marinhas de feição. O número de distâncias de referência a pontos notáveis da costa – Aguada de São Brás, Baía da Lagoa, Terra Primeira do Natal – permitiram avaliar, graças à acertada carteação do piloto, a precisão das suas estimativas relativamente às cartas contemporâneas […].

De 25 a 27 de Julho, a nau permaneceu «ao pairo» por motivo dos ventos do norte não permitirem desfazer altura (diminuir a latitude) e ainda porque um mar «banzeiro» arrastava a nau para leste, quando esta – no parecer do piloto – ia já muito larga da costa. Daí resultou necessariamente não se ter verificado deslocamento sensível durante esses dias.

A situação de impasse na marcha, motivada por condições físicas adversas nas singraduras anteriores, logrou fim ao anoitecer de 28 de Julho, quando o vento passou a soprar favoravelmente do sudoeste, situação que manteve toda a noite. Porém, logo de manhã, mudou de direcção para sueste, passando depois a soprar, nas singraduras imediatas até 2 de Agosto, de vários rumos intermitentemente, o que está conforme com o escasso avanço obtido, totalizando apenas 73 léguas. A marcha decorreu a rumos do nordeste, apontada à Ilha de São Lourenço (Madagascar), encontrando-se em 2 de Agosto a norte-sul com o Cabo das Correntes, na latitude de 31º ½ S.

Melhores condições de navegação de verificaram, contudo, nos dias seguintes, pois permitiram um avanço, até 8 de Agosto, de 170 léguas, situando-se então a nau a 17 léguas da costa de São Lourenço.

Esta ilha foi avistada à uma hora da madrugada de 9 de Agosto. Quando a viram, foram arribando um pouco ao nornoroeste, depois do que tomaram o rumo norte. Ao amanhecer estavam a 7 léguas da costa. Seguidamente, a navegação foi conduzida a nornoroeste, tendo atingido, ao meio-dia de 10 de Agosto, a latitude de 20º 1/3 S, distante 95 léguas da Ilha de Moçambique.

Navegando sempre ao norte-quarta-a-noroeste nos dias imediatos, a nau foi levada à Ilha de Moçambique, onde ancorou no embarcadouro de São Jorge ao anoitecer de 14 de Agosto depois de um percurso de 95 léguas. […] Assim, em 11 de Agosto, o ponto distava 30 léguas da Ilha de João da nova e, no dia seguinte, 22 léguas; a 13, a nau situava-se a 12 léguas leste-oeste da costa de África entre Mongincual e Mocambo .

in “Uma Viagem Redonda da Carreira da Índia (1597-1598)”, de Joaquim Rebelo Vaz Monteiro, Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, 1985, pp. 9 e 10

“Escarcéu – a crista da vaga, quando cheia de espuma e tumultuosa.

Escasso – tratando-se de medidas, significa que a medida anunciada ou registada peca ligeiramente por excesso. Assim, 10 graus escassos de latitude significa que esta não chega bem a 10 graus. Falando-se de vento escasso, significa que este sopra da proa ou proximidades, e não é favorável ao rumo desejado.

Escotas – cabos de laborar, fixos nos punhos das velas, que servem para as caçar e aguentar a sotavento. São duas nas velas redondas e uma nas latinas.

Espesso – mar de vagas grossas e com intervalos pequenos entre si.

Estibordo – o lado direito do navio quando se está voltado para a proa.

Estrampalhado – estrambalhado, mar com vagas muito desencontradas.

Feijão – ave do tamanho de pombos, com a cabeça preta e as asas malhadas de preto e branco.

Forcado – rabo forcado – ave palmípede de grande envergadura, mas de corpo relativamente pequeno, que habita principalmente os mares tropicais. Actualmente conhecido por “fragata”.

Francelho – ave de rapina de pequeno porte.

Gaivotão – ave grande com os cotos das asas pardos e o corpo branco.

Garajau – ave marítima de grande porte, com cabeça e asas acizentadas, barriga esbranquiçada, rabo cinzento com algumas penas pretas, e bico agudo, avermelhado.

Garajina – ave actualmente chamada “grazina”, da sub-ordem das gaivotas.

Gávea – qualquer das velas que envergam nas vergas da gávea, portanto as segundas a contar de baixo.

Governar – conduzir o navio no rumo desejado, manobrando o pano.

Grosso – referido ao vento, significa violento; ao ar – vaga alterosa; a nuvem – espessa.

Guinar – desviar-se a proa para qualquer dos bordos do navio, por acção do vento ou do mar.

Gurupez – mastro que saía para fora da proa das naus, com a inclinação de 30º, onde se arvorava a vela cevadeira.

Jilavento – julavento, sotavento.

Julavento – direcção em que sopra o vento. Sotavento.

Latina – vela triangular ou quadrangular que trabalhe no sentido de popa à proa, fiza em verga que cruza com o mastro, ou que fica no seu prolongamento.

Légua – antiga medida de comprimento portuguesa. A correspondência entre a légua e o grau meridiano era primeiramente de 16 2/3 por grau; em fins do século XV, 17 ½ por grau; Duarte Pacheco Pereira e Manuel Pimentel propuseram o valor de 18 léguas por grau. Como a légua portuguesa mede 5 920 m, ou seja, 4 milhas italianas de 1 480 m, e porque o valor do grau é 111,111 km, a que corresponde 18 ¾ léguas por grau, 17 ½ léguas por grau, valor atribuído no século XVI, traduzia um erro por defeito de 7 %.

Léguas boas – significa que a distância referida é maior que o número de léguas indicado.

Linha – Equador.”

in “Uma Viagem Redonda da Carreira da Índia (1597-1598)”, de Joaquim Rebelo Vaz Monteiro, Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, 1985, pp. 461 a 464 (excertos)

“Os diários estão dispostos no códice segundo a ordem seguinte:

1. Diário da navegação da nau São Martinho, em viagem para a Índia, no ano de 1597, por oeste da Ilha de São Lourenço, ou chamada «por dentro».

Este diário foi redigido pelo piloto Gaspar Ferreira Reimão a bordo da nau São Martinho e vai servir de objecto do nosso estudo para a viagem de ida. Principia na folha 7 do códice e termina na folha 59. O manuscrito apresenta dois tipos de letra diferentes: até a folha 29 um tipo, depois outro.

2. Diário da navegação da nau Santa Maria do Castelo, em viagem da Índia para Portugal, no ano de 1597, por oeste da Ilha de São Lourenço, ou chamada «por dentro».

Este diário, também redigido por Gaspar Ferreira Reimão, é complemento do diário anterior, pois refere-se à viagem de regresso da mesma armada, também objecto do presente estudo. Principia na folha 63 v. do códice e termina na folha 109 v.

3. Diário da navegação da nau Nossa Senhora da Conceição, em viagem de Cochim para Portugal, no ano de 1600, por leste da Ilha de São Lourenço, ou chamada «por fora».

[…]

4. Diário da navegação da nau São Mateus, em viagem do Cabo da Boa Esperança para Goa, no ano de 1603, por leste da Ilha de São Lourenço, ou chamada «por fora».

[…]

5. Diário da navegação da nau São Pantaleão, de Portugal para a Índia, no ano de 1595, por oeste da Ilha de São Lourenço, ou chamada «por dentro».

[…]

6. Diário na navegação da nau São Pantaleão, da Índia para Portugal, no ano de 1596, por leste da Ilha de São Lourenço, ou chamada «por fora».[…]”

in “Uma Viagem Redonda da Carreira da Índia (1597-1598)”, de Joaquim Rebelo Vaz Monteiro, Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, 1985, pp. 20 a 22

“A 5 de Junho, ultrapassado o paralelo dos 20º S, a nau tomou o rumo do sul, circunstância já observada na viagem anterior com a nau São Pantaleão, em iguais condições de latitude e variação da agulha. […]

Dois dias depois, a 7 de Junho, a nau encontrava-se a 22º 5/6 de latitude S, depois de percorrer 45 léguas ao sul nas duas singraduras.

A marcha da nau prosseguiu depois através da parte ocidental do Atlântico-Sul, travessia que trouxe difíceis problemas ao piloto […] no tocante à marcação do ponto, tendo percorrido, até 13 de Junho, 127 léguas a rumos do sueste por acção de ventos do nordeste. Contudo, porque no dia imediato passassem a soprar ventos do sueste, opostos ao sentido da marcha, a nau foi conduzida ao nordeste para assim ganhar algum avanço, embora desfizesse caminho em altura (latitude). Parte desse caminho foi, no entanto, eliminado na singradura seguinte, em que a nau foi arrastada na direcção oposta. Somente a partir de 16 de Junho, os ventos, soprando agora favoráveis, permitiram a continuação da marcha a rumos do sueste até 27 de Junho, num percurso total de 273 léguas, situando-se então a nau em 33º ½ de latitude S, depois de ter cruzado o meridiano das Ilhas de Tristão da Cunha.

A navegação da parte oriental do Atlântico-Sul, com um total de 406 léguas, pode ser repartida em dois períodos no tocante à direcção da marcha: no primeiro, a nau foi conduzida em rumos de sueste e de leste de forma a ganhar altura até atingir, a 6 de Julho, o paralelo dos 36º S; no segundo, depois de dois dias «ao pairo», a nau tomou rumos a norte e nordeste até 15 de Julho, dia em que cruzou o meridiano do Cabo das Agulhas, na latitude de 35º ½ S.

No período inicial foram navegadas 242 léguas em boa velocidade (à média de 27 léguas por dia) por acção de ventos favoráveis, geralmente muito ventantes, que rodaram do noroeste ao sudoeste. A 6 de Julho, o ponto do meio-dia distava 138 léguas do Cabo da Boa Esperança, valor muito próximo da estimativa do piloto. Porém, a 7 de Julho, dada a presença de ventos desfavoráveis que rodaram progressivamente de sul para nordeste, a marcha da nau processou-se em más condições, navegando toda a noite «à trinca» com papafigos, para depois, já de manhã, ficar «ao pairo» com todo o pano tomado.

Tal situação continuou no dia seguinte, com muito vento nordeste, muita cerração, muita «molinha» de chuva e mar estrambalhado de todas as partes. […]

Só a 9 de Julho, com a mudança dos ventos para sudoeste e noroeste, a marcha da nau pôde progredir satisfatoriamente para o Cabo das Agulhas, cujo meridiano cruzou, como já dissemos, ao meio-dia de 15 de Julho, após um percurso de 149 léguas. […] ”

in “Uma Viagem Redonda da Carreira da Índia (1597-1598)”, de Joaquim Rebelo Vaz Monteiro, Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, 1985, pp. 7 a 9

“Calcamar – ave do tamanho de uma andorinha. Caça o peixe em voos rasantes com a água, a agitar as patas, dando a impressão de que vai a correr sobre ela.

Calmão – vento fraco.

Caravela – navio de uma só coberta, acastelado à poa, com 2 ou 3 mastros arvorando velas bastardas. Chegavam-se muito ao vento, podendo recebê-lo a cerca de 4 quartas da proa, podendo assim navegar com ventos escassos. Mais tarde, algumas caravelas, para melhor aproveitamento de ventos largos, passaram a ter pano redondo no mastro da proa em lugar de bastardo. A estas passou a chamar-se “caravelas redondas”.

Cerração – nevoeiro espesso.

Céus aclarados – nuvens esbranquiçadas.

Céus brancos – cúmulos.

Céus claros – com poucas ou nenhumas nuvens.

Céus dobrados – com nuvens espessas, em várias camadas.

Céus grossos – nuvens espessas.

Céus leves – nuvens ligeiras.

Céus pegados – nuvens recobrindo completamente o céu.

Céus queimados – nuvens de cor escura.

Cevadeira – vela que se envergava no gurupés das naus.

Chão – mar cuja vaga não vai além de meio metro de altura.

Chuveirinho – aguaceiro de curta duração.

Chuveiro – chuva forte.

Cordear – seguir com o navio o mais chegado possível ao vento.

Corpo Santo – Fogo de Santelmo: eflúvio luminoso que pode ser visto, por vezes, nos topos dos mastros e em extremos ponteagudos de objectos elevados, devido a descargas lentas de electricidade.

Corva – o mesmo que corvo marinho.

Corveta – corva pequena.

Declinação da agulha – variação da agulha, o ângulo formado pelas direcções do N-S verdadeiro e N-S magnético.

Desvelejado – com pouco ou nenhum pano exposto ao vento.

Diferença da agulha – variação da agulha.

Diminuir – ganhar caminho em latitude quando o navio navegava com rumo que o aproximava do Equador.

Dobrados – céus cobertos de nuvens muito espessas.

Entenal – ave palmípede muito citada pelos nossos navegadores, hoje vulgarmente conhecida por albatroz. Tem a cabeça grande, munida de bico forte, comprimido lateralmente, com a mandíbula superior recurvada, e narinas muito salientes. Os pés têm três dedos, reunidos por uma única membrana.”

in “Uma Viagem Redonda da Carreira da Índia (1597-1598)”, de Joaquim Rebelo Vaz Monteiro, Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, 1985, pp. 459 a 461 (excertos)

“O códice que inclui, entre outros, os diários da navegação da Nau São Martinho, para a viagem da ida, e o da nau Santa Maria do Castelo, para o regresso, e que constituem a base do presente estudo, pertence à Biblioteca da Academia das Ciências de Lisboa, onde se encontra registado.

Constituído por 269 folhas de papel numeradas consecutivamente, não obedecendo todavia essa numeração à ordem cronológica dos diários de navegação que o formam, nem sequer à primitiva numeração neles estabelecida. Pode mesmo afirmar-se, como é evidente, que a numeração geral do códice foi aposta depois de este já se encontrar encadernado, incluindo até mesmo páginas em branco.

Assim, logo no começo há nove páginas em branco, tendo sido aproveitada a página 3 para índice geral. As páginas compreendidas entre 59 v. e 63 não têm também qualquer escrita. Nota-se, além disso, que foram eliminadas duas folhas a seguir à página 109, não tendo havido, no entanto, nem alteração no texto nem na paginação geral.

O papel apresenta seis marcas de água diferentes, havendo também bastantes folhas sem qualquer marca. Tanto o papel como a encadernação de carneira estão em mau estado de conservação, muito furados por traça.

Os manuscritos das viagens de navegação que formam o códice devem datar dos começos do Século XVII e, pela sua caligrafia, várias pessoas os executaram, verificando-se mesmo a existência de duas caligrafias diferentes no manuscrito do primeiro diário .”

in “Uma Viagem Redonda da Carreira da Índia (1597-1598)”, de Joaquim Rebelo Vaz Monteiro, Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, 1985, pp. 19 e 20

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