[…] Nas igrejas há muitas imagens pintadas pelas paredes: imagens de Nosso Senhor e de Nossa Senhora e dos apóstolos e patriarcas e profetas e anjos, e em todas as igrejas São Jorge. Não têm imagens de vulto. Muitos livros nas igrejas, escritos todos em pergaminho, porque não há aí papel, e a escritura língua tígia que é da primeira terra em que se começou a cristandade.
Na terra não costumam escrever uns aos outros nem os oficiais de justiça não escrevem nada. Toda a justiça que se faz e o que se manda é por mensageiros e palavra. Somente diz que a fazenda do Preste João viu escrever ao entregar e receber.
Na terra haveria muitas frutas e muitas mais sementes se os grandes não tratassem mal o povo que lhe tomam o que têm e eles não querem mais aproveitar do que hão mister e lhes é necessário.
Em nenhuma parte que ele andasse há carniçarias senão em corte e nenhuma pessoa do povo pode matar a vaca (posto que sua seja) sem licença do senhor da terra.
Diz o povo pouca verdade ainda que dão juramento, se não juram pela cabeça de el-rei. Temem muito a excomunhão e, se lhe mandam que façam alguma coisa em que seja em seu prejuízo, fazem-na com medo da excomunhão. […]
Vinho de uvas não há aí mais de duas casas em que se faça público, a saber, em casa do Preste João e em casa do patriarca abuna Marcos e se algum outro se faz é escondido. E o vinho com que se diz missa em todas as igrejas e mosteiros se faz desta maneira: tomam passas de uvas que têm guardadas nas sacristias e deitam-nas dez dias em molho e elas incham e deixam-nas enxugar e pisam-nas e espremem-nas em um pano e com aquele vinho que sai dizem missa.
Os cavalos naturais da terra do Preste João são muitos e não bons, porque são como bestas galegas; os que vêm da Arábia são muito bons como mouriscos. E os do Egipto muito melhores, grandes, muito largos e formosos, e muitos senhores criam cavalos das éguas que têm do Egipto em suas estrebarias. Em esta maneira, a saber, como nascem, não mamam mais de três dias da mãe e as mães acavalam-nas logo e os filhos poldrinhos prendem um pouco afastados das mães, têm-lhes muitas vacas de leite e dão-lho a beber.
(via “História e Antologia da Literatura Portuguesa – Século XVI – Literatura de Viagens – II” – Fundação Calouste Gulbenkian, Boletim nº 23, Dezembro de 2002 – a partir de “Verdadeira Informação sobre a Terra do Preste João das Índias”, Dir. Luís de Albuquerque, Vols. I e II, Lisboa, Alfa, 1989)